top of page
logo1x1-300x300.png

APRESENTAÇÃO

Na última edição do Recifest, em novembro do ano passado, já sabíamos que muita coisa no país iria mudar. As eleições já haviam acontecido e os sinais de retrocesso eram muito mais que meras pistas.

Dentre as muitas categorias a quem o novo presidente direcionou o seu ódio estavam os artistas e, claro, a população LGBT+. Dessa forma, é óbvio, direta ou indiretamente, o resultado da última eleição foi responsável pelo desmonte de uma série de políticas públicas de cultura que garantiam um melhor funcionamento da cadeia e, junto a isso, as obras que tematizam as nossas vidas e as nossas dissidências sexuais foram escancaradamente perseguidas e censuradas. 

No meio disso, os festivais foram rapidamente atingidos e, assim, foi também o Recifest. Não por um gesto de censura direto, mas como consequência da instauração de uma ordem de pensamento que passou a entender a produção cultural enquanto secundária e, às vezes, perigosa.

 

É em razão disso, portanto, que este ano aconteceremos com duração e programação reduzida. Sem orçamento nenhum, diferente das edições anteriores, este ano o festival vai pra rua com equipe totalmente voluntária que se juntou pelo desejo de fazer acontecer.

 

Dito isso, não é em tom de lamento, porém, que damos início à sétima edição do Recifest. Afinal de contas, aconteceremos! O festival existe agora e mais do que antes como um gesto de resistência às tentativas cada vez mais claras de eliminarem a nossa existência e subjetividade.

 

Fazer o festival neste contexto é um grito desaforado de quem não vai deixar sucumbir. É bater o pé, chutar a porta e dizer que não vamos ceder aos caretas.

Nossas histórias continuarão sendo contadas e, uma vez contadas, continuarão sendo projetadas e vistas.

Acreditamos que o esperneio histérico fascista e LGBTfóbico precisa ser respondido afirmativamente e sem medo. Não estamos nunca condenadxs ao momento em que vivemos. A organização popular, a insistência na produção cultural e a luta já nos levou a lugares melhores antes e levará mais uma vez.

 

É com o desejo ambicioso de colaborarmos neste processo que colocamos insistentemente o festival no mundo. 

Na edição de 2019 exibiremos, entre os dias 20 e 22 de novembro, 23 curtas-metragens, para além de um longa-metragem. Como de tradição, nossa programação vai incorporar, ainda, uma grade de oficinas, rodas de diálogo e apresentações artísticas em diversas linguagens. Isso tudo só é possível, é claro, em razão de uma equipe e grupo de parceiros que assinou embaixo da nossa vontade e a quem somos eternamente gratxs. Muito obrigada a todxs e bom festival!

Carla Francine

Rosinha Assis 

Pethrus Tiburcio

Mauro Lire

Manu Dias

Equipe de curadoria geral do 7º Recifest

apresentação 7 edicao.png

TEXTO CURATORIAL MOSTRAS COMPETITIVAS

Em 2019, o cinema LGBTQ brasileiro se encontra ameaçado pela ascensão de um governo de extrema-direita. A sigla, que era vista sobretudo em publicações, eventos e produções especializadas para um nicho, passou a estampar as manchetes principais dos maiores jornais do país. Através de ações de censura, esse governo desferiu seu primeiro golpe nas artistas e obras que lhes daria, de bandeja, um espetáculo para seus apoiadores conservadores - para os habitantes do país que mais mata LGBTs do mundo. 

 

Mas, nada disso é novidade para nós. Este está longe de ser o primeiro golpe que lançam sobre nossos corpos, nossa arte, nossa subjetividade. 

 

A história do cinema mundial é composta de brechas que nossos profissionais sempre tentaram abrir para que nossas histórias pudessem ser contadas em produções heterocentradas e, muitas vezes, dentro de roteiros e pontos de vista heteronormativos. Com a articulação do movimento LGBT enquanto movimento social, começamos a ocupar pela primeira vez espaços - em equipes, em editais, em festivais - que antes nos eram negados. No Brasil, o número de filmes feitos por nós e para nós não parou de aumentar nos últimos quinze anos. A nova investida violenta que paira sobre nós não vai nos parar. 2019 não é o fim da guerra, mas o começo de uma nova batalha. 

 

Com a realização do Recifest este ano sem quaisquer recursos, nossa equipe convida a todas para, juntas, defendermos o cinema LGBTQ nacional. Um dos cinemas mais inventivos atualmente praticados no Brasil. Uma arte que mina sua sociedade conservadora na espinha dorsal: a heternormatividade. Não há experimentação, não há inovação, não há cinema brasileiro se não houver cinema LGBTQ brasileiro.

 

Nossa mostra competitiva de curtas, bem menor que no ano anterior, ocorrerá apenas nos dois primeiros dias do festival, em quatro sessões. Filmes potentes tiveram que ficar de fora por causa dessas limitações. Uma grade montada através de decisões difíceis, pautadas pela nossa busca por qualidade estética aliada à diversidade das produções em termos de raça, gênero e sexualidade. Acreditamos, porém, que este pequeno recorte consegue articular alguns títulos que mostram a força e a beleza da nossa comunidade.

 

Sessão 1: Inundar o mundo. Agora que eu sei, não quero mais ser um corpo-represa. Não quero mais me encarcerar em mim mesma. Não consigo mais. Aqui, os filmes vêm sempre imersos em líquido, no mar, nas profundezas da correnteza. Tanta água há de romper as barreiras e inundar o mundo.

 

Sessão 2: Pense, dance. Costumam nos culpar quando dançamos. Isso é porque não estamos sob controle.

 

Sessão 3: Minha Cidade é outra. Quanto mais tentam nos apagar do espaço público, mais nossas redes de afeto criam formas outras de habitar. Territorialidades que são filmadas de formas diversas pelos curtas aqui reunidos. Esboços de cidades que estão por vir desenhados na tela do cinema.

 

Sessão 4: Gosto de Sangue. Um gosto que, com muito mais frequência do que gostaríamos, está na boca de qualquer pessoa LGBT nascida no Brasil - desde criança. Um gosto, porém, que cria nossa singularidade, nossa potência específica. Sangue na boca, dentes rangendo, contra-golpe e luta política.

 

Que estas noites dentro de um Cinema São Luiz sem censura nos nutram com os caminhos do nosso futuro.

André Antônio

Anti Ribeiro

Curadorxs da mostra competitiva de curtas

7º Recifest

bottom of page